domingo, 18 de maio de 2008

O destino

Mas em que enrascada meteu-se nosso Amadeu. Poderíeis vós imaginar que um medíocre, mas de certa forma inteligente homem seria flagrado num assalto a banco?Gozava nosso Amadeu de uma relativa boa condição financeira. Solteiro, funcionário público de segundo escalão, carro, casa... Mulheres? Para a sua atual condição, nem tanto! As mulheres que possuíra não faziam jus ao seu salário. Conquanto isso indagar-me-ia o leitor de onde vieram tantas e tamanhas frustrações. Garanto-lhe caro leitor que ainda não sei, meu caráter onisciente esbarra no confuso entroncamento de neurônios no cérebro disforme de Amadeu. Tais frustrações parecem-me ocultar-se em sinapses mal concluídas ou em algum lugar ainda não explorado pela nossa ciência.As respostas para o assalto, para esse ato de tamanha demência, encontram-se no depoimento prestado à autoridade competente, isto é, à polícia.Assim declarou Amadeu: “Senhor investigador, acreditas em destino?” Diante da resposta afirmativa, continuou: “Quando da última ceia de Jesus com os seus discípulos, Jesus declarara que havia um traidor entre eles e que este entregaría-o aos romanos, fariseus, saduceus, sei lá, a quem quer que seja, e que estes levaríam-no à morte. Analisando mais atentamente o fato, não tratara-se Judas de um traidor, mas, pelo contrário, de um benfeitor. Ora, as escrituras antigas já profetizavam sobre a vinda do messias, sua morte e ressurreição ao terceiro dia. Judas fora um mero peão que auxiliara o rei a dar xeque-mate no seu adversário. E o fez com tanta convicção_ mesmo tendo se enforcado depois_ que poderia ser reconhecido como um benfeitor e cumpridor da palavra de Deus.”“O que quero dizer-lhe com isso é que, se essas profecias puderem ser comparadas ao destino, não teria Judas nem nenhum ser humano culpa dos seus atos ou maus atos, pois já estava escrito que iria acontecer, e ninguém teria como modificar.”“Tudo isso claro, para quem crê em profecias e, no nosso caso específico, investigador, no destino.”“Desejava eu, pois, modificar o meu destino, escolhendo aleatoriamente esse ato que cometi. Mas aí me veio a seguinte questão: no meu destino já se poderia estar escrito que eu refletiria sobre o destino e que iria tentar modificá-lo através de um assalto a banco_ mesmo não condizendo com minha condição financeira, status, enfim, minha ‘boa vida’. Portanto, tudo isso já me estaria destinado, não tendo eu culpa do que fiz, assim como um assassino não teria culpa de ter matado ou um político de ter se tornado corrupto, pois já estava tudo escrito, segundo nossa crença, investigador.” Diante de argumentos tão pertinentes à sua crença, o investigador sentiu-se tentado a isentar Amadeu de qualquer crime e libertá-lo. Mas, refletindo melhor, a sociedade, embora muito supersticiosa, não o perdoaria e seria ele expulso do seu posto. Depois talvez não passasse Amadeu de um esperto anarquista, e suas palavras poderiam se tornar perigosas numa prisão repleta de anarquistas que não tem nada a perder. A sociedade transformar-se-ia num caos. Não, isso não pode acontecer. Amadeu então, representando tamanhos perigos, foi considerado doente mental e levado ao manicômio, onde suas palavras não produziriam efeitos.
Daniel Macedo Moura Fé

Um comentário:

Unknown disse...
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